quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Intervenção de José Niza em 1985

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados e, se me permitem, uma saudação especial para muitos autores, artistas e músicos que vieram aqui assistir a este debate e que - penso - certamente lucrarão com isso porque aproveitarão também para ser esclarecidos acerca de alguns aspectos relacionados com o diploma.

A recente publicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos corresponde a um acto legislativo importante para todos aqueles que fazem do trabalho intelectual e artístico a sua forma de estar na vida e de a ganhar, comunicando aos outros a expressão do seu pensamento e da sua criatividade.

Aconteceu que o novo Código, para além das importantes inovações que contém e devem ser sublinhados, para além das actualizações que comporta, para além das boas intenções que estiveram na base da sua elaboração, não corresponde, de facto, àquilo que dele legitimamente se esperaria.

E, por isso, frustrou algumas expectativas, desencadeou reacções e emoções, muitas delas fruto do desconhecimento, da análise superficial das coisas ou, até, da simples manipulação.

Ao requerer a apreciação do diploma em causa por esta Câmara, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista visou três objectivos essenciais:

Em primeiro lugar, aprofundar a análise e a discussão do Código no sentido de lhe introduzir as alterações que resultassem da apreciação que dele fez e dos contributos do debate (designadamente no que respeita à eliminação de preceitos deformadores das intenções do legislador) e, ainda, colmatar omissões que retirariam ao diploma eficácia na aplicação prática e na própria interpretação; Em segundo lugar, clarificar, esclarecer, identificar e desmontar, por via deste público debate, alguns aspectos que por exagerados, contraditórios ou simplesmente fantasmáticos, alimentaram nos últimos tempos todo um conjunto de análises, especulações - e mesmo manipulações - que envolveram e confundiram a discussão sobre o novo Código numa cortina de fumo quase sem fogo à vista; Finalmente, acentuar que o simples facto de, no Parlamento, um partido do Governo se propor corrigir e melhorar um decreto do seu Executivo é, não só uma prova de pedagogia democrática, mas, na sua essência e significado, um verdadeiro exercício de prática da democracia e de dignificação da Assembleia da República.

Sr. Presidente, precedendo este debate, tiveram os deputados dos diversos partidos que integraram os trabalhos da Subcomissão duas preocupações:

A primeira foi a de apreciar e analisar não só o diploma mas todas as propostas que de fora ou de dentro da Assembleia chegaram à sua mesa de trabalhos, sobretudo dos interessados mais directos. E muitas e diversas foram essas solicitações, a começar naturalmente pelas da Sociedade Portuguesa de Autores, mas provenientes também do Grupo Português de Produtores de Fonogramas e Videogramas, da Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros, da Associação Portuguesa de Informática, de autores, artistas, etc.; Em segundo lugar, procurar evidenciar e delimitar áreas de consenso que levassem à formulação conjunta de propostas subscritas por todos os partidos, o que felizmente aconteceu.

O grau de consenso verificado, a capacidade de diálogo e o excelente clima de trabalho que esteve presente nas reuniões da Subcomissão são um facto que não poderia deixar de ser sublinhado como exemplo de democracia e de eficácia.

De assinalar também a coincidência deste debate com a celebração dos 60 anos da Sociedade Portuguesa de Autores cuja melhor prenda de aniversário será sem dúvida a de poder passar a contar com a existência do novo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos depois das melhorias que o Parlamento certamente lhe introduzirá.

Como deputado, e também como autor e membro da SPA, congratulo-me com ambos os factos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O enquadramento de fundo do Código do Direito de Autor pode desdobrar-se em três planos:

Por um lado, ele responde e corresponde a uma necessidade de urgente actualização e adaptação em face das novas tecnologias da comunicação e das suas consequências; Por outro lado, a articulação com a legislação das comunidades europeias e o respeito pelos tratados e convenções aos quais Portugal aderiu ao longo dos anos; Finalmente, a consciência de que se está a legislar para os autores portugueses - sublinho «autores portugueses» - o que significa privilegiar os interesses de Portugal e dos autores nacionais.

Foi à luz destes parâmetros e visando estes objectivos que se definiu a filosofia das alterações que pretendemos introduzir no Código, bem como a manutenção de muitos preceitos que do diploma constam e que, em nossa opinião, se devem manter.

Em relação às realidades e consequências das novas tecnologias da comunicação, que fortemente estão presentes e condicionam todas as áreas do novo Código, designadamente as que se relacionam com a comunicação audiovisual, há que afirmar que o Partido Socialista não só as conhece bem como também o Governo tem impulsionado o seu desenvolvimento sobretudo através do Secretário de Estado das Comunicações, Dr. Raul Junqueiro, cuja acção desejo salientar e elogiar.

Mas, se, por um lado urge que Portugal recupere o tempo perdido, se modernize e faça aproximação rápida aos países mais desenvolvidos, é também necessário ter consciência de que não se deve ultrapassar em legislação vanguardista aquilo que a realidade ainda não nos oferece, designadamente em relação aos autores portugueses: fazê-lo seria privilegiar interesses de terceiros contra os nossos próprios interesses.

Quero eu significar com isto que, se por um lado é condição de progresso e modernização a adopção rápida de opções quanto ao futuro, seria gratuito e prejudicial colocar as leis à frente da técnica: esse exibicionismo vanguardista, por alguns desejado, para além de ridículo e despropositado, custaria também ao nosso país - e de forma mais directa aos nossos autores e artistas (sublinho este aspecto) - um preço a que nenhum tratado ou convenção nos obriga e que reverteria afinal em favor de estrangeiros.

Somos - temos sido sempre - um país importador de produtos culturais.

Portugal importa - isto é, compra e paga - discos, livros, videocassetes, programas de televisão, filmes, etc.

Tudo isso, naturalmente que, para além do próprio custo dos produtos, comporta ainda um largo dispêndio de divisas que, através da Sociedade Portuguesa de Autores, vão remunerar os outros estrangeiros que a SPA representa no nosso país.

Ora, este Código pretende defender - e não desproteger - os interesses dos nossos autores.

Dos 7 000 sócios e representados da SPA apenas 4 % recebem, em média mensal, mais do que o salário mínimo nacional! Isto é, apenas 4 % dos nossos autores recebem em média - isto é importante - mais do que o salário mínimo nacional.

Por aqui se vê até onde é injusta e indigna a situação geral dos nossos autores e, naturalmente, a falta de estímulo e de condições de trabalho em que os mesmos vivem.

Contrastando com esta sombria realidade, e paredes meias com ela, falam os números e as estatísticas.

Segundo estudos feitos no âmbito do Conselho da Europa sobre a evolução da venda de discos e cassetes em Portugal e nos restantes países da Europa dos 21, chegamos a conclusões espantosas: de 1978 a 1982, isto é, em 5 anos, Portugal foi de todos os países europeus aquele em que o acréscimo na venda de discos e cassetes foi mais alto: 75 % para os discos de longa duração e 86 % para as cassetes. No mesmo período, países como a Áustria, a Bélgica, a França, a Alemanha, a Noruega, a Suécia e a Inglaterra tiveram crescimentos negativos, o que significa redução importante das suas vendas.

Isto é, todos eles estavam piores em 1982 do que em 1978!

Mas não nos iludamos com este recorde europeu - infelizmente não estou a falar do Carlos Lopes - porque nem tudo o que luz é oiro… Na realidade, embora a estatística consultada não discrimine entre produção nacional e produção importada, sabe-se que este recorde europeu de consumo foi largamente obtido através da edição de obras de autores e de produtores estrangeiros com prejuízo dos nacionais. Basta olhar, por exemplo, as classificações das vendas para chegar a esta conclusão: no "Top Disco" da RTP, feito pelo Grupo Português de Fonogramas, raramente, nos 20 primeiros títulos, surge uma obra de autor ou intérprete português!


Aliás, a situação actual é de desinvestimento na música portuguesa apesar de as estatísticas do Conselho da Europa situarem Portugal no topo dos acréscimos de vendas. Este fenómeno só em parte é explicado pela crise, quer internacional, quer nacional. Ele é sobretudo imputável a uma acção negativa dos editores e produtores fonográficos e a uma inaceitável política de proteccionismo às obras estrangeiras a partir das multinacionais da música radicadas em Portugal.

Daqui resultam duas lições: por um lado, a de que há que encontrar e fomentar cada vez mais os mecanismos de estímulo ao trabalho dos autores portugueses; por outro lado, a de que há que refrear e disciplinar os excessos de exploração do mercado, se necessário por via legal, para que os prejuízos do País e dos nossos autores e artistas sejam minorados e a concorrência não seja tão desequilibrada.

Trata-se de um aviso à navegação, que o PS gostaria fosse ouvido e compreendido por aqueles que sempre em nós encontraram diálogo e compreensão, mas também firmeza e intransigência na defesa dos nossos criadores e artistas.

Os exemplos que citei foram obtidos numa área que me é cara, a da música. Mas exemplos semelhantes poderiam ser dados em relação à importação de filmes, à compra de programas de televisão, à edição de livros estrangeiros, etc.

Porque somos um país importador, defendemos intransigentemente os interesses nacionais e os dos portugueses, sem prejuízo de cumprir religiosamente tratados e convenções internacionais.

Como acontecia há tempos na questão das pescas, também na área da cultura e do direito de autor há muita gente a pescar em águas portuguesas. E muito poucos os nossos autores e as nossas obras a pescar lá fora. Se é esta a realidade, é sobre ela que devemos legislar, deixando-nos de vanguardismos românticos: não é por muito madrugar que amanhece mais cedo!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta segunda parte da minha intervenção vou abordar, em concreto, o conjunto de alterações que iremos propor em relação ao diploma em debate. Não me prenderei com alterações menores, de natureza mais ou menos técnica, mas apenas com aquelas que resultaram, quer da nossa iniciativa, quer do diálogo havido com o Ministro da Cultura, quer, finalmente, da recolha de sugestões vindas de fora da Assembleia ou aquelas que adquirimos nas reuniões prévias da Subcomissão que precederam este debate e originaram o relatório de que foi dado conhecimento.

Que o diploma é inovador, é um facto. Penso, no entanto, que caberá ao Sr. Ministro da Cultura acentuar esses méritos, que são também seus, pelo que passo adiante.

Começarei pelo que me pareceu ser o mais contestado de todos os artigos: o já célebre artigo 72.º, que, aliás, será objecto de uma proposta de eliminação.

Gostaria de acentuar, sobretudo para aqueles que nesse artigo quiseram descobrir os fantasmas de uma nova censura, que o que é um perigo não são as liberdades ameaçadas mas sim as interpretações verdadeiramente delirantes que desse texto alguns fizeram.

Não estão - nem estavam - em perigo as liberdades porque as acções previstas no célebre e futuramente extinto artigo só seriam executadas «nos termos legais». Como a primeira de todas as nossas leis é a Constituição - não se abriam portas a nenhuma censura.

Também não estão - nem estavam - em perigo as liberdades dos autores, porque o artigo 17.º da Convenção de Berna, que o artigo 72.º do Código transcreve no essencial, não se destina a tolher as liberdades dos autores, mas a outras finalidades bem diversas, tais como a manutenção da ordem pública, por exemplo. E não me consta que alguma vez o artigo 17.º da Convenção de Berna tenha sido posto em causa no nosso país.

Não estão - nem estavam - ainda em causa as liberdades porque finalmente, não seria um governo presidido por Mário Soares e com este Ministro da Cultura que iria reabrir a porta da censura, há 10 anos fechada pelo 25 de Abril.

Mas, porque esse artigo não é necessário ao novo Código, porque não eram censórios os seus objectivos, porque dele se fizeram as interpretações mais delirantes…

Passemos agora para outra aliciante matéria: a que está prevista nos artigos 82.º e 83.º Quanto ao primeiro, que autoriza a reprodução de obras em casos especiais sem que essa reprodução careça de autorização do autor, as alterações introduzidas no texto obtiveram consenso de todos os deputados da Subcomissão. Clarificaram-se e identificaram-se os objectivos, limitando-os a finalidades de natureza científica ou humanitária, para além das outras limitações que o artigo já continha.

Quanto ao artigo 83.º, trata-se de uma inovação sobre um tema de grande actualidade e em debate, desde há anos, quer nas comunidades europeias, quer no Conselho da Europa, já não referindo, naturalmente, as organizações internacionais de autores e produtores: trata-se da «cópia privada».

A «cópia privada» de fonogramas e videogramas, também designada por «gravação doméstica ou ao domicilio», não è mais do que a cópia de uma gravação sonora (fonograma) ou audiovisual (videograma) realizada com fins não comerciais e para uso pessoal e privado.

Em linguagem mais corrente, é a cópia de discos, cassetes, videocassetes, programas de televisão, etc., hoje vulgarizada e largamente expandida em todo o mundo e resultante da oferta tecnológica em equipamentos e aparelhos de uso doméstico.

Em Portugal, como noutros países, a cópia privada incidiu inicialmente sobre as gravações feitas nas vulgares cassetes. Mais recentemente, com o advento dos gravadores de vídeo, inaugurou-se a era das cópias audiovisuais.

Nos países mais avançados da Europa, que são também os de maior poder de compra, a prática da cópia privada assume hoje proporções gigantescas e constitui uma verdadeira ameaça aos direitos de autor nesses países.

Para se fazer uma ideia, nos países da CEE, 60 % dos lares têm gravadores de som. Quanto aos gravadores de vídeo, há uma marcada diferença entre os países mediterrânicos e os do Norte e Centro da Europa, com vantagem para estes, evidentemente.

Dos 5 milhões de gravadores de vídeo que, em 1982, existiam na Europa, 47 % existiam no Reino Unido, calculando-se que, no final do corrente ano, em Inglaterra, 40 % dos lares disporão já destes gravadores.

Em Portugal - embora não haja dados disponíveis e a entrada desses equipamentos se faça em elevada percentagem através do contrabando - estima-se que existam cerca de 150 000 desses gravadores.

A «cópia privada», acrescida da «pirataria» - esta naturalmente destinada ao comércio, ao contrário da «cópia doméstica» - provoca naturais e legítimas preocupações e graves prejuízos, não só a autores, mas também aos detentores dos «direitos vizinhos» ou conexos como são os artistas, intérpretes, produtores, emissoras de rádio e de televisão, etc.

É evidente que se trata de cópias não autorizadas pelos autores das obras - portanto ilícitas - e de onde não resulta, obviamente, o pagamento de quaisquer direitos.

Daí que, para compensação desses prejuízos patrimoniais e morais se estejam a estudar mecanismos e formas indirectas de atenuar esses danos. Regra geral - como o Código, aliás, prevê de forma inovadora - é através de uma quantia incidente sobre o preço de venda dos equipamentos e suportes envolvidos nesses operações (gravadores, fitas magnéticas, videocassetes, etc.) que se obtêm os valores para a compensação indirecta dos referidos prejuízos.

Esta é uma questão que, mesmo nos países onde a cópia privada mais generalizada está, não tem ainda regras bem definidas em termos internacionais, pois, de país para país, as soluções e as ideias divergem.

No caso de Portugal, e em relação a esses países, dois factores complicam ainda mais a situação e dificultam soluções: por um lado, o contrabando de equipamentos e, por outro, os altos níveis de pirataria existentes, sobretudo em fonogramas.

De qualquer forma, defendemos o princípio preconizado pelo Código, isto é, o da compensação dos autores e de outros titulares de direitos vizinhos ou conexos. Mas, quer pela dificuldade da distribuição directa dos benefícios pecuniários, quer pela já sublinhada necessidade de apoiar e fomentar as actividades culturais, a nossa proposta é a de que os valores obtidos através da cobrança resultante das transacções de equipamento audio e vídeo seja atribuída, não a pessoas ou organizações, mas aplicada ao fomento de actividades culturais, designadamente musicais, já que são predominantemente musicais as cópias privadas que em Portugal se fazem.

Aqui deixamos, como sugestão e proposta ao Governo, a de que o produto resultante dessas receitas seja exclusivamente aplicado na construção de espaços e equipamentos - por exemplo, centros de cultura popular, palácios da música - onde os autores, músicos, intérpretes, e outros artistas e criadores, na sua própria casa, possam trabalhar, criar, inventar, ensaiar e mostrar ao público os seus trabalhos.

Desta forma - mas de forma indirecta - serão protegidos e compensados todos os interesses e interessados. A solução que se propõe não é, afinal, mais do que uma forma de investimento cultural da qual todos, sem excepção, serão a curto prazo beneficiados e que dará concretização a conhecidos anseios dos artistas e autores portugueses.

Passarei agora da «cópia privada» para o bas-fond da «pirataria» que em todo o mundo assume hoje dimensões endémicas e preocupantes.

Infelizmente, Portugal, não só não escapa ao fenómeno, como é um dos piores exemplos europeus na matéria.

A «pirataria», isto é, a fabricação de cópias não autorizadas com finalidades de exploração comercial, lesa diversos sectores mas incide sobretudo no mercado ilícito de fonogramas e videogramas.

Calcula-se que, só nos 21 países do Conselho da Europa, o valor destes negócios ilícitos e criminosos tenha sido, em 1982, de mais de 140 milhões de dólares, e só para os fonogramas piratas. Em Chipre e na Turquia este mercado representa 90 % do mercado total, na Grécia e em Portugal 70 % e em Itália 35 %. Nos restantes países tem-se conseguido limitar a pirataria a cerca de 10 %.


No caso dos videogramas, estima-se que, no mesmo grupo de países, 50 % das videocassetes sejam também piratas.

Desejaria, a este propósito, sublinhar que o Governo Português, no seu último Conselho de Ministros, na semana passada, aprovou um diploma exactamente sobre o enquadramento jurídico dos videogramas, iniciativa de mérito e grande oportunidade que, estranhamente, ao contrário do Código dos Direitos de Autor, parece ter passado completamente despercebida.

Mas, regressando ao Código e ao seu artigo 205.º, que tem a ver com a apreensão das cópias piratas, sejam elas fonogramas, videogramas ou outras, importa referir que, nesta matéria, o Código ficou aquém da Lei n.º 41/80, aprovado por esta assembleia.

É que, em nosso entender - e face à consumação de crimes de pirataria -, não basta apreender as cópias ilícitas, é absolutamente necessário apreender também os equipamentos, máquinas e aparelhos que lhes deram origem ou que serviriam para praticar mais crimes caso continuassem insusceptíveis de apreensão.

Pode argumentar-se que o Código Penal, se bem interpretado e aplicado, levaria também a essas apreensões, o que é, aliás, correcto. Simplesmente, acontece que essa omissão do actual código conjugada com a revogação da Lei n. º 41/80 já provou ter levado a confusões e ter criado dúvidas e bloqueios junto das autoridades às quais compete essa fiscalização e actuação.

Chegaram-nos à Comissão provas evidentes dessas dúvidas e, portanto, pensamos que não há qualquer problema em modificar este aspecto.

Por isso propomos que o previsto no artigo 8.º da Lei n.º 41/80 seja aditado ao actual Código, em benefício da justiça e, sobretudo, da eficácia da luta contra a pirataria.

Carece, entretanto, este combate, e ainda, de um outro instrumento, qual seja o do agravamento das penas previstas, sobretudo as de prisão dos infractores.

A realidade - para quem a conhece - ensina-nos que os prevaricadores só verdadeiramente serão sensíveis a penalizações que os metam na cadeia pois que, com multas mais ou menos brandas, eles fazem os seus cálculos e continuam a fazer o seu negócio. Mas, para cidadãos que aparecem nas colunas sociais e mundanas, o ir para a cadeia já é bem mais desmotivador …

Por isso defendemos o agravamento das penas no que, aliás, não fazemos mais do que o que actualmente está a acontecer com legislações internacionais sobre as mesmas matérias.

Um outro assunto do Código, que fez chegar a esta Assembleia e à comunicação social um coro de estridentes protestos de diversa proveniência, relaciona-se com a prevista duração da protecção dos direitos conexos, isto é, o período de protecção dos artistas, intérpretes, executantes, produtores e emissões de radiodifusão em relação às obras divulgadas em cuja criação participaram.

Antes de mais é preciso que se diga que é a primeira vez que essa protecção tem lugar em Portugal e que o nosso país passará a ser, nesta matéria, um dos primeiros países da Europa a considerá-la.

Não vou referir a manipulação contestatária que intencional e friamente se fez à volta do que o Código previa, como disse, de forma inovadora, e muito menos denunciar publicamente a sua origem, porque penso que quem se deixa manipular também é responsável. Apenas lamento o facto. É registo a injustiça.

Mas, porque entendemos que todos devem assumir as suas responsabilidades e as consequências das posições e propostas que defendem, também nós, deputados socialistas, fomos sensíveis às críticas que foram dirigidas e por isso iremos propor uma considerável dilatação e ampliação dos prazos de protecção tal como já foi anunciado no relatório.

Mas também aqui não ignoramos - e sublinho mais uma vez este aspecto - que estamos a fazer um Código para portugueses e não para privilegiar interesses estrangeiros.

Ora, a consagração - e agora a ampliação - dos prazos de protecção dos direitos conexos a que me refiro, irá colocar portugueses e estrangeiros nas mesmas condições, isto é, em condições de igualdade de direitos.

Mas pergunto: Onde estão as contrapartidas? Onde estão as obras portuguesas no mercado dos outros países cujos direitos vamos proteger? Onde estão os filmes portugueses nas emissões via satélite ou por televisão por cabo, que já se fazem por essa Europa fora? Onde estão, afinal, as obras dos autores e artistas portugueses, para além de Badajoz?

Se analisarmos o movimento editorial português, se olharmos as políticas editoriais, se atentarmos na realidade portuguesa, bom será que tenhamos consciência de que estamos a manusear um boomerang que se poderá voltar contra nós. E, se isso acontecer, os primeiros traumatizados serão exactamente aqueles que reclamam protecção e que também nós queremos proteger, isto é, os autores e os artistas portugueses.

Será bom por isso que - excepto aqueles que têm, ou representam, interesses internacionais em Portugal - estejam conscientes que, ao exigirem a sua legítima protecção, saibam que estão também a jogar com uma moeda de duas faces e com uma faca de dois gumes.

O futuro dirá se havia ou não razão para estas reservas.

José Niza, Assembleia da República, 27/05/1985

Piratas das cassetes dominam o mercado

O disco «Saudades» de José Calvário com a London Symphony Orchestra, já venceu no mercado das cassetes piratas quase o triplo do número de exemplares vendidos no mercado legal — soube a agência NP (Notícias de Portugal).

As vendas legais do disco passam actualmente dos 40 000 exemplares mas, segundo um responsável da editora do LP, o mercado das cassetes piratas já deve ter vendido entre 100 a 120 mil exemplares.

A venda de cassetes piratas cresce durante o Verão, sobretudo devido à existência de muitas feiras por todo o País onde elas aparecem no maior dos «à-vontades» — disse quarta-feira o presidente do Grupo Português de Produtores de Fonogramas e Videogramas, Carlos Pinto.

É uma situação que prejudica muito os artistas portugueses já que eles não recebem um tostão sequer de todas essas vendas e já que a existência de cassetes piratas e a forma como elas são vendidas em quase qualquer local acaba por fazer diminuir as vendas das edições legais» — disse ainda.

Carlos Pinto exprimiu também o desejo de que a publicação, esta semana, do novo Código do Direito de Autores, que estabelece maiores penalidades para os piratas, possa permitir um «combate mais eficaz» às gravações ilícitas.

Foram já detectados pelo menos quatro tipos diferentes de cassetes piratas referentes ao disco «Saudades» editado no início do Verão com base em velhos temas da música portuguesa tratados com uma orquestração nova.

DL, 21/09/1985

Foram apresentados requerimentos de apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, publicado no Diário da República, 1." série, n.º 61, de 14 de Março de 1985, que aprovava o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Foi criada uma Subcomissão, em cujos trabalhos participaram os deputados José Niza, Margarida Salema, José Manuel Mendes como coordenador, Luís Francisco Rebelo, José Nogueira de Brito, Helena Cidade Moura e Vilhena de Carvalho, reuniu nos dias 14, 16, 21, 23, 24 e 28 de Maio de 1985.

Foram verificados vários documentos contendo o parecer e sugestões de entidade representativas dos interesses em causa, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Autores, do Grupo Português de Produtores de Fonogramas e Videogramas, da Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros e da Associação Portuguesa de Informática.

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