sábado, 10 de abril de 2010

Crise, Crise, Crise

A crise na indústria discográfica provocada pela pirataria tem obrigado as editoras a reduzir para metade o número de funcionários e levou Isabel Amador [promotora discográfica na Warner] a sair prematuramente de uma profissão que abraçava desde os 19 anos. Consigo saíram outras dez pessoas, "da promoção à direcção, passando pelos serviços financeiros e vendedores". Hoje, Isabel tem uma loja de flores no Largo do Carmo, em Lisboa.

Nos últimos anos, a indústria discográfica em Portugal terá perdido quase metade dos seus efectivos e cerca de 50 por cento da sua facturação por culpa da pirataria, passando dos 105 milhões de euros em 2000 para os 56 milhões em 2005, segundo a Associação Fonográfica Portuguesa (AFP). Dados provisórios estimam que o mercado tenha caído mais dez por cento durante 2006 e que venha a cair mais dez em 2007. Calcula-se que cinco em cada dez discos consumidos em Portugal sejam piratas. O repertório internacional é o mais prejudicado, tendo as vendas caído quase 60 por cento em cinco anos. Já o repertório nacional caiu cerca de 30 por cento.

EDITORAS A MEIO GÁS

As editoras estão a trabalhar com os serviços mínimos. A todo-poderosa Universal (U2, Metallica, Eminem, etc.) que há cinco anos tinha 46 funcionários está hoje reduzida a 22. O mal começou lá fora e estendeu-se a Portugal. A Sony que, entretanto, se fundiu com a BMG, a EMI, a Universal, a Warner e tantas outras editoras sucumbiram à pirataria. "Hoje não conheço uma companhia no nosso País que tenha mais de 22 pessoas", adianta preocupado Tozé Brito, vice-presidente da AFP.

O homem que também dirige, em Portugal, os destinos da maior companhia discográfica do Mundo, a Universal, jamais esquecerá o dia em que teve de despedir 40 por cento dos activos da sua empresa. "Foi o pior momento da minha vida. Foi há dois anos, ainda por cima no Natal. Tive de olhar nos olhos de pessoas que estavam na empresa há muitos anos e negociar as suas saídas".

A última editora a fazer cortes foi a EMI. Em Setembro último, onze pessoas foram convidadas a rescindir, entre elas, Paula Freitas, chefe de promoção. Trabalhava na empresa há 34 anos e foi uma das pessoas que, nos idos anos 80, ajudou a promover 'Balada das Sete Saias' dos Trovante, 'Ar de Rock' de Rui Veloso ou 'Portugal na CEE' dos GNR. "Nós éramos o braço direito dos artistas", desabafa.

Privada aos 50 anos do que gosta de fazer, "nova para a reforma e velha para arranjar emprego", como diz, recorda a batalha que teve para convencer Marco Paulo a gravar os 'Dois Amores' ("ele odiava aquela música", confidencia) e a manhã em que Rui Veloso não resistiu ao despertar matinal para participar num programa de Júlio Isidro e adormeceu, em casa, na banheira. "Foi acordado por um dos nossos promotores", recorda. Paula Freitas começou na EMI como dactilógrafa e lembra-se do dia em que David Ferreira, actual presidente da companhia, chegou vindo de uma loja de discos da Av. de Roma.

A crise da indústria discográfica começou a sentir-se nos EUA no ano 2000, a notar-se na Europa em 2002 e no final desse ano em Portugal. "Quando a Warner começou a reduzir as viagens de promoção, a cortar nos voos e nos hotéis começámos a perceber que as coisas estavam más", recorda Isabel Amador.

DOIS TIROS NO PÉ

Quando, em finais dos anos 80, chegou a integrar as brigadas da GNR e andou pelas feiras do País inteiro atrás da cassete pirata a ajudar as autoridades a distinguir as verdadeiras das falsas, João Afonso, à data funcionário da famosíssima CBS (Bob Dylan e Cheap Trick, entre outros) – em Portugal representada pela Rádio Triunfo –, ainda estava longe de adivinhar que a pirataria pudesse vir a ser responsável por uma crise tão grave na indústria.

Há dois anos, João Afonso foi convidado a rescindir com a Sony Music, sucessora da CBS. A companhia que se fundiu com a BMG despediu 15 pessoas em 2004, mais dez no início de 2005 e fechou, entretanto, o seu armazém em Portugal. João Afonso que desempenhava o cargo de director de marketing estratégico para as compilações jazz e world music foi apanhado na onda. Hoje, trabalha com os músicos Jorge Fernando e Ana Moura e desenvolve projectos para televisão.

Primeiro, devido à pirataria física e depois, mais recentemente, pela pirataria digital, a indústria fonográfica está a atingir a sua maior crise de sempre, mas não estará isenta de culpa. "A determinada altura a indústria cometeu vários erros e deu vários tiros no pé. Passou do formato "Vinil" para o CD sem se acautelar com tudo o que estava envolvido", diz João Afonso. "A Sony e a Philips, por exemplo, lançaram aparelhos para gravar CD e, como se não bastasse, a indústria tornou acessível a todos os CDR gravar. Esse foi o grande cancro. E depois, para piorar tudo, veio a internet", diz.

Em Portugal, as apreensões são cada vez mais, mas ainda há muito a fazer, até porque a pirataria, apesar de ser crime punível com pena de prisão até três anos e de deixar cadastro, está presente em todo o lado. Dados da Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), organismo do Estado que combate a pirataria, mostram, por exemplo, que 26 por cento dos DVD, CD e CD-R piratas em Portugal são vendidos no local de trabalho.

"DISCOS NÃO SÃO CAROS"

Culpa-se a internet, mas será que o preço dos discos, considerado por muitos, inclusive pelos próprios músicos, demasiado elevado, será também responsável pela crise na indústria? Para Eduardo Simões, director-geral da AFP, essa é uma desculpa de mau pagador.

"Obviamente que o preço de qualquer coisa é sempre caro quando é possível ter à borla. O que seria de uma bomba de gasolina, se ao fundo da rua houvesse outra a oferecer combustível?", pergunta aquele responsável que lembra que "o preço de um disco não é caro" porque engloba "direitos de autor e dos artistas, aluguer de estúdio, instrumentos, pagamento a músicos, produtor, custos de embalagem, de promoção, marketing e margem de lucro da editora e do retalhista".

Miguel Azevedo, Correio da Manhã, 09/12/2006

Indústria da música
Multinacionais do disco em crise

A crise nas multinacionais dos discos afecta as suas representantes em Portugal

Não se tem falado de outra coisa nos últimos anos - crise na indústria da música. Mas esse cenário parecia uma realidade abstracta em Portugal. Para parte considerável do público, designações como "iPod" ou "download" continuam a ser encaradas com estranheza, como se representassem uma realidade distante.

As editoras também acordaram tarde para o fenómeno. Há três anos, a BMG portuguesa reduziu efectivos e as decisões começaram a ser partilhadas com Madrid, mas foi nos últimos meses que os sinais concretos de que a crise está a afectar as multinacionais do disco a operar em Portugal (EMI, Universal, Sony, Warner e BMG) se adensaram. Sentem-no na pele funcionários e artistas. Os primeiros são despedidos ou vivem na ansiedade de o virem a ser e os segundos vêem reduzir-se as hipóteses de edição dos seus trabalhos.

Recentemente, a EMI despediu 1500 funcionários em todo o mundo e reduziu em 20 por cento o seu catálogo. Os efeitos sentiram-se em Portugal. Antes, os escritórios da Warner em Lisboa sofreram do mesmo síndroma, e as decisões passarem a ser partilhadas ao nível da Penísula Ibérica.

Na Universal aconteceram reajustamentos em forma de dispensas. Ninguém sai ileso. As editoras argumentam que os novos formatos digitais lhes estragam o negócio, mas ao mesmo tempo avançam para a criação de plataformas de "downloads" legais - a Universal portuguesa anunciou esta semana que deseja avançar para essa solução ainda este ano. Isso não impede que a política de repressão se imponha, e nos EUA foram já conduzidas a tribunal 1500 pessoas. Ao mesmo tempo, um estudo científico recente diz que não existe correlação directa entre troca de ficheiros mp3 na Net e quebra no número de discos vendidos. As opiniões dividem-se e a confusão instala-se.

O cenário de crise afecta também as pequenas editoras e distribuidoras portuguesas (MVM, Zona Música, Sabotage, Vidisco, Som Livre, Megamúsica, entre outras) e propõem-se medidas: que o IVA dos discos (actualmente de 19 por cento) seja reduzido - algo que a Espanha vai pôr em prática, ficou a saber-se esta semana -, ou que o preço dos CDs baixe. Em simultâneo ensaiam-se alternativas, com o argumento de que as grandes editoras não apostam em novos valores portugueses. Outros modelos de distribuição são tentados. Em desespero, até os jornais servem de veículo distribuidor. Uma óptima ideia não isenta de efeitos perversos. Eliminam-se intermediários, os discos são vendidos a preço reduzido, mas colocam-se os jornais em competição com distribuidoras e lojas de discos, nivelando discos de qualidade com outros duvidosos, alguns vendidos a retalho. No meio de tanta incerteza, a única certeza que existe é que indústria está em mudança acelerada. Ou melhor, já mudou.

Acesso à música imaterial

Imagine o leitor este cenário: está na FNAC, olha à sua volta e a rodear os poucos CDs existentes estão meia dúzia de nostálgicos que disputam o último álbum de Björk, em edição luxuosa e limitada. Ao lado encontramos plataformas e servidores "online" que permitem o acesso directo à música imaterial. Aglomeram-se pessoas que querem conectar os leitores de música virtual, que lhes vão permitir aceder a temas avulsos. Não é ficção, é a realidade, dentro de poucos anos. Os especialistas falam num período temporal entre 5 a 10 anos. Como foi possível chegar aqui?

Tudo começou quando um engenheiro alemão, Karlheinz Brandenburg, descobriu uma forma de comprimir um ficheiro musical sem perda de qualidade. O formato, baptizado mp3, foi colocado à disposição do público em 1994, mas popularizar-se-ia alguns anos depois, através da Net e de "sites" como o Napster, permitindo a troca de ficheiros entre particulares. Estava aberta uma "caixa de pandora" que aliava duas dimensões novas: o acesso gratuito à música, via troca, e a desmaterialização do suporte. Uma desmaterialização que, bem vistas as coisas, começou com a introdução do CD, vendido como inalterável, imune à erosão, quase estéril. Depois do orgânico vinil, a música perdeu corpo com o CD e virou imaterial com o mp3.

Depois do Napster, entram em acção outros "sites" que permitem troca de ficheiros como o Gnutella, Kazaa ou Soulseek e uma geração que nunca comprou CDs nasce. A venda de discos cai e a indústria reage pela via da criminalização, argumentando que existe uma ligação directa entre descarregamentos na Net e menos discos vendidos. Segundo a Associação da Indústria Discográfica Americana - que, desde o princípio do ano, já conduziu 1500 indivíduos a tribunal -, as pessoas que fazem "downloads" reduziram em 33 por cento as compras de CDs. Mas o assunto não é pacífico.

Uma equipa de investigadores de Harvard e da Universidade da Carolina do Norte publicou um estudo que veio comprovar, com legitimidade cientifica, aquilo que outros defendiam com argumentos do senso comum: não existe uma ligação mecânica entre descarregamentos de música na rede e decréscimo das vendas de discos. Como acontece nestes casos, deverão surgir outros estudos que proclamarão o contrário. Seja como for, independentemente de quem tem razão, o facto é que a música está cada vez mais ligada a outros suportes - jogos vídeos, filmes, telemóveis, publicidade, DVDs. A música é cada vez mais um argumento, não para vender discos, mas sim "hardware" - máquinas, ordenadores ou "ipod". O problema é encontrar formas de pagar aos criadores.

Neste contexto, a indústria tem que repensar estratégias e começa a fazê-lo lentamente. Nos EUA, serviços de "downloads" legais como o iTunes revelam-se um sucesso - apesar de existirem casos de fracasso -, e na Europa começa a perceber-se que as vendas digitais são uma realidade que veio para ficar, pelo menos até à descoberta de um novo formato, tal como aconteceu nos anos de ouro da explosão do CD. Enquanto isso não acontecer, a transição para um novo modelo económico anuncia-se doloroso para as multinacionais do disco. Em Portugal, por exemplo, é preocupante que não existam catálogos nacionais fortes e ágeis. Essa é, afinal, uma das justificações para que as multinacionais operem num mercado de fronteira como o português.

Para editoras, criadores e melómanos, o mundo digital tem novos contornos. Compram-se menos discos, mas escuta-se mais música, de estilos e épocas cada vez mais variadas. Ou seja, o digital trouxe novos desafios - alguns dolorosos e difíceis de enfrentar -, mas está também a permitir a criação de novas opções, modificando hábitos, ampliando práticas e permitindo uma melhor e maior acessibilidade à música.

Vítor Belanciano, Público, 02/05/2004

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