quinta-feira, 5 de maio de 2011

1999 - Cenário de descida

Entrevista com Eduardo Simões  (AFP) 

O MERCADO discográfico nacional pode estar a entrar num ciclo negativo, depois de anos consecutivos de crescimento. Quando se fizerem as contas a 1999, Eduardo Simões, director geral da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP), admite uma descida na facturação entre 10 e 20 por cento. A quebra de receitas segue uma tendência geral e tem causas específicas: diversificação da oferta cultural, mediatização do fenómeno musical e a chamada «nova pirataria» são destacadas nesta entrevista, a primeira de uma série com agentes do sector. Eduardo Simões tem 41 anos e ligou-se à música como vendedor, nas lojas Valentim de Carvalho.

No início dos anos 80 passou pelo departamento de promoção da Polygram. Licenciado em Direito, foi consultor de empresas e de artistas e esteve ligado à produção de espectáculos. Dirige a AFP há 10 anos, associação que representa, entre outras, as grandes editoras internacionais radicadas em Portugal. Os 18 sócios da AFP facturaram, em 1998, mais de 20 milhões de contos.

EXPRESSO - A indústria discográfica está a entrar em crise?

EDUARDO SIMÕES - Não estamos em crise. Este ano podemos estar a entrar num ciclo de descida, de acordo com o que se passa no resto do mundo, depois de o mercado ter crescido quase sempre na última década. No primeiro trimestre de 99, por comparação com igual período do ano anterior, a facturação cresceu 5, 6%. É um indicador de um ano mau, o valor devia ser duas ou três vezes superior. Mas é preciso não esquecer que estamos a falar da única indústria cultural, que praticamente não recebe subvenções. Só se se mantiver uma lógica de descida haverá quebra de investimentos.

EXP. - A que se deve esta possível passagem de um ciclo positivo para outro negativo?

E.S. - Posso falar de tendências. Há uma oferta cultural enorme. Há 20 anos, a juventude gastava o dinheiro em discos, hoje tem numerosos interesses. O mercado está muito competitivo: mais lojas - houve uma revolução no conceito de loja - muito mais referências musicais disponíveis (uma revolução na oferta de retalho desde há três, quatro anos), mais concertos. Criou-se um mercado de actuação ao vivo, há 20 anos os artistas só tinham concertos no Verão. Tudo está mais mediatizado. Há muito que a MTV (canal temático dedicado à passagem de «videoclips») deixou de ser uma referência longínqua. Mas a nossa grande preocupação vai para as redes digitais.

EXP. - A circulação de cópias digitais é determinante para a eventual baixa de vendas?

E.S. - O «download», possibilidade de descarregar para um PC ou para um CD, em ambiente digital, o conteúdo integral de faixas musicais, não é o principal problema. Penso que o digital e as redes de informação são uma fonte de oportunidades, há mais oferta, mais exposição do fenómeno musical. Mas torna-se necessário clarificar o quadro legal, que não é suficientemente dissuasor para a pirataria. As coimas são baixas e têm uma aplicação muito dilatada no tempo. A verdade é que a pirataria ganha dinheiro para pagar as coimas e fazer lucro. Um CD pirata custa 300 escudos e vende-se por dois mil. No que respeita aos direitos de autor, está a ser discutida a directiva comunitária «Direito de Autor na Sociedade de Informação». O que está em causa? A protecção de gravações em ambiente digital terá, do nosso ponto de vista, de ser feita com dispositivos técnicos de modo a que só seja possível fazer uma cópia, tornando inviável que se obtenha uma segunda cópia do original. Do ponto de vista estritamente técnico, isso é possível. É evidente que a introdução de tal mecanismo depende de um acordo entre a indústria discográfica e os fabricante de equipamentos.

EXP. - Essa é uma forte restrição à cópia privada.

E.S. - A cópia privada esteve de férias durante alguns anos e regressou em força. É nos produtos consumidos pelos jovens que isso mais se reflecte, ou seja, são os artistas preferidos pelas faixas etárias jovens os mais prejudicados. Até meados dos anos 80, a cópia privada vivia no mundo das cassetes. Neste contexto, a taxa de pirataria rondava os 90%: em cada dez cassetes, nove eram pirateadas. Quando aparece o CD gravável começam as cópias domésticas, e esta é a primeira causa conjuntural para uma descida de vendas. É a «nova pirataria». Voltámos a encontrar CD e cassetes-pirata nas feiras e em estabelecimentos de venda.

EXP. - Qual é o peso da música portuguesa no total das vendas?

E.S. - A música nacional representa 17 por cento do total da facturação. Em Espanha e França, países proteccionistas da língua e em que a música nacional tem grande pujança, está acima dos 40 por cento. As editoras correm mais riscos quando apostam nos músicos nacionais, porque acompanham os artistas do início e efectuam a totalidade do investimento da produção. Se tivermos um cenário de descida de vendas durante vários anos, o primeiro sector a ressentir-se será a música portuguesa. Também é verdade que, nos últimos 10 anos, todas as empresas que lideraram o mercado o devem a artistas nacionais.

ANTÓNIO HENRIQUES / Expresso, 17/07/1999


Entrevista com David Ferreira (EMI)

A EMI, líder do mercado durante oito anos consecutivos em Portugal, perdeu esse estatuto em 1998 (16,7% da facturação total contra 25,7% da Polygram), ano de grande agitação no que respeita à chefia do grupo internacional britânico e em que uma crise de falta de repertório acentuou uma tendência de queda. Um pesadelo de que procura agora recuperar.

EXPRESSO - O que aconteceu de determinante para a queda da EMI em 98?

DAVID FERREIRA - Houve vários factores. Destacaria, a nível interno, a mudança de gestão numa das três grandes editoras em Portugal (Polygram, integrada agora na Universal), num mercado em que há mais de uma década isso não acontecia e que apresentava um ritmo fantástico de crescimento; uma mudança em lugares-chaves, mais significativa em quatro meses do que nos quatro anos anteriores, com a morte do nosso director de «marketing» (Rui Ferreira); e alterações de carácter técnico, nomeadamente do sistema informático. A nível externo, a crise de repertório internacional, uma vez que a associação EMI–Virgin teve o pior ano de que eu me lembro.

EXP. - A concorrência obrigou a maiores investimentos...

D.F. - A Universal investiu muito no ano passado. Em 98 e 99, aumentámos o investimento publicitário, mas não de forma alarmante. Ele cresceu 2% nos últimos dois anos. Foi nesse período de tempo que a pressão das rádios para investir em publicidade se tornou maior do que nunca. Comparativamente com outros países da Europa, ainda existem relações muito saudáveis entre editoras e rádios aqui. Existem ameaças a esta relação, um risco de as coisas se deteriorarem: operadores com capacidade para intervir no mercado podem ceder à tentação de se considerarem como um fim e não como um meio, assumindo atitudes que podem distorcer a relação entre música e consumidores. Mas quem voltar as costas ao gosto das pessoas está condenado.

EXP. - Há preferências típicas que sirvam para caracterizar um mercado?

D.F. - Em relação aos consumidores, há um sexto sentido de aposta em nomes que vêm a revelar-se estrelas, uma quantidade simpática de pessoas que é capaz de ver mais longe primeiro. Nos anos 70, os Supertramp e Kate Bush explodiram aqui inicialmente. Isso era mais visível quando o mercado era mais elitista. As editoras fazem sentido se conseguirem fazer o caminho mais rápido entre a música e o público e penso que, nesse aspecto, a EMI, como uma vez me disse um cantor, é uma multinacional com coração de independente. Numa editora há coisas que não vêm na lista da nossa obrigação: a capacidade de perder o sono, criar empatia com um artista para que o seu sucesso não seja só os meus números. O tipo de pressões que se vive pode tornar mais duro esse coração, mas permite um contacto com algo interessante para além da música, que são as ideias para a vender.

EXP. - Que parte desse «coração» está destinado aos trabalhos dos artistas?

D.F. - O nosso orçamento previsto para gravações, até Março de 2000, é de 160 mil contos, o dobro do ano anterior, e penso que, de longe, o maior das editoras em Portugal. Parte destina-se a artistas novos, muitos dos quais já estão sob contrato há dois e três anos, a preparar os primeiros discos.

ANTÓNIO HENRIQUES / Expresso, 28/08/1999

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